17 de janeiro
O meu trabalho. Disse que escreveria um post sobre o que faço, e aqui me têm.
Trabalho todas as tardes no centro giocastudiamo de villazzano. Este centro faz parte da câmara, mais precisamente para a parte de “política juvenil”, da câmara de Trento. Há 12 centros, o meu é o mais antigo, de meninos mais ou menos endinheirados (eeeehh… as palavras de que me lembro eu!), simpáticos e com poucos problemas.
Sim, acho que percebi uma coisa, hoje.
Este não é o voluntariado clássico, daquele que pego em mim e, generosamente, cedo do meu conforto pelo conforto alheio. Eles estariam confortáveis sem mim, e, de qualquer maneira, eu não preciso de ceder do meu conforto – também aqui me sinto confortável. Sou voluntária como é voluntário o movimento de fazer caretas, mexer uma perna, ou de levantar o rabo e mudar alguma coisa. É isso que faço aqui. O que me trouxe aqui, lamento desapontar, foram razões tão egoístas, tão ego-centradas como querer “saber quem sou, o que faço aqui”, querer aprender muitas coisas, dar o que tenho (mas pelo prazer de dar, do meu prazer de dar e talvez não para fazer nos outros o prazer de receber). Não sei. Não me parece a primeira ideia de voluntariado clássico que eu tinha. Talvez defeito meu, não sei.
E agora o post sobre o que demorarei tanto tempo a perceber. Hoje, 11 da manhã, via entre a biblioteca e os correios. Apesar da cidade ser pequenina, continuo a não saber onde são as coisas. Há uma rapariga/senhora que vem na nossa direcção (do Pedro e minha) e decido perguntar-lhe onde são os correios. Ela explica, lentamente, com um ar meio perdido (perdido e meio, a sério), quase dopado, e depois “sono male”. Assim, de repente, “estou mal”. O Pedro acha que está doente, e diz “boa sorte!”, e eu, não sei porquê, fico verde. Ela continua “estou triste, fiquem comigo”. Decidimos ir beber um chocolate, ela decide que sim, e depois que não. Vai à biblioteca. Pede que fiquemos com ela, combinamos ao meio dia na biblioteca. Corro para os correios, para ter a certeza que não falto ao encontro. Ao meio dia estou lá, e decidimos, com o espanhol que entretanto se juntou a nós, e sem o Pedro que se perdeu no caminho antes do meio dia, ir beber o tal chocolate. Ela quase não fala. Tem um olhar mesmo completamente perdido. Diz pouca coisa mais que “estou mal. Por favor, fiquem comigo. Não quero estar sozinha. Vou-me matar”. Ok, não, não acho que ela se vá matar. E não, também não acho que seja o medo de ser co-responsável (nem que por negligencia) que me move. Há mesmo um pedido honesto de ajuda na maneira como se move, como fala, o (pouco) que diz. Há mil silêncios desconfortáveis e também o espanhol, entretanto, se perdeu pelo caminho. Descubro que ela fez erasmus, em França. Jornalismo, estudou. Pelo caminho encontramos a irmã, que me pede que fique com ela até às 14h. Vacilo. Não sei mesmo o que dizer, o que fazer, onde acaba o meu papel nisto tudo. Acabo por ficar com ela até às 15h30, altura em que vou a correr para o autocarro para não chegar atrasada ao trabalho.
Ficaram um milhão de coisas a baloiçar na minha cabeça. A nadia, não sorria. Sorriu uma vez, quando tentei explicar-lhe o “em casa de ferreiro, espeto de pau”. E, mesmo assim, nem sei se dessa vez o que por simpatia, se por honesta vontade de sorrir. Dou por mim a pensar na quantidade de sorrisos que faço eu, por dia, e sobre quantos deles serão verdadeiros. Quanto do que faço, faço porque é assim que se faz? Até onde se pode ser diferente sem ser louco? Até onde se pode ser honesto? Porque é que a nadia dizer que não está bem, quando é verdade que não está, é um comportamento de louco? Não comprei eu a honestidade como um valor a procurar? O que exige a intimidade? Que coisas são exigidas para que se tenha intimidade? O que distingue uma confissão de um discurso de um louco?
Fico a pensar em tanta coisa, eu.